Mestre Traira’s album – Capoeira da Bahia

12 July 2017 (last updated 03 March 2023)

Mestre Traira’s album – Capoeira da Bahia

Found this amazing www.capoeira-palmares.fr/histor/xaua_pt.htm document (Aug 2019 – seems the document is no longer there…) with photos and a lot of info on this album in Portuguese, French and English.

https://soundcloud.com/saciperereuk/sets/mestre-traira-capoeira-da-bahia

[Tracks originally summarised by www.capoeira-palmares.fr/histor/xaua_pt.htm#part5 Capoeira Palmares (Link no longer available)]
1 Riachão do Diabo – Puxador: Traíra.
[Toque: Angola]
Chula de 28 versos com partes instrumentais Eu ‘tava em casa.
Canto de entrada 6 versos
[Toque São Bento Grande]
Corrido Santa Maria. 8 chamadas de mesma letra e respostas do coro.
instrumental

2 Jogo de Dentro – Puxador: Cobrinha Verde
[Toque Angola]
Chula de 11 versos Menino que vende aí?.
Canto de entrada 14 primeiros versos
[Toque Santa Maria]
… final do Canto de entrada, 3 versos.
Corrido Santo Antônio é protetor; o puxador varia a sua chamada [acelerando]
instrumental

3 Cavalaria – Puxador: Traíra
com um pouco de som ambiante do lugar.
[Toque Angola]
Chula de 10 versos, o primeiro repetido; Quando morrer não quero grito no enterro
Corrido coro – Cordão de Ouro. Em Fa#. o puxador usa duas letras um pouco diferente, mas de mesmo ritmo e sentido, durante as 19 chamadas. chamada de berimbau
Corrido Dona Maria do Camboatá …
[Toque de São Bento Grande]
… final do corrido Dona Maria do Camboatá total de 26 chamadas de mesma letra.
instrumental
[Toques variados], instrumental.

4 Angolinha – Puxador: Traíra
[Toque Angola]
Chula 40 versos com partes instrumentais Riachão ‘tava cantando.
Canto de entrada 9 versos
Breve chamada de berimbau
[Toque São Bento Grande]
breve instrumental
Corrido Parana é, 8 letras diferentes para as 12 chamadas.
instrumental.

5 Cavalaria – Puxador: Traíra
[Toque Cavalaria] instrumental
Chamada de berimbau
Corrido Ponha laranja no chão tico-tico (em Fa#, o puxador volta a cantar antes do final do coro) …
[Toque de Angola solta]
… continuação do corrido Ponha laranja no chão tico-tico
[Toque de São Bento Grande]
… final du corrido Ponha laranja no chão tico-tico um total de 43 chamadas com duas letras diferentes.

6 Iuna
Com um pouco de som ambiante.
[Toque Iúna]
Instrumental dois berimbaus, sem marcação, breves entradas de pandeiro

7 Sequência de rítmos
Instrumental: Toques diversos com anúncios.
Angola Pequena
Angola
Angola Dobrada
Santa Maria
Regional
Cavalaria
Jôgo de Dentro
Guarani
Gêge
Kêtu

I’m copying the text related to the album from Association de capoeira PALMARES de Paris’ website, as these sites sometimes disappear for various reasons (usually due domain name expiration).

Capoeira: Mestre Traíra e Mestre Cobrinha Verde

Por volta de 1963, o ator de cinéma Roberto Batalin produz um disco de capoeira com os mestres Traíra, Gato et Cobrinha Verde. Pouco tempo depois este disco estreia novamente com o título Capoeira da Bahia, mestre Traíra. Uma versão em CD encontra-se facilmente. Para completar estas músicas, que figuram em nossa opinião entre as melhores gravações comerciais de capoeira existantes, publicamos as informações, fotos e texto que encontravam-se na primeira edição, e que não foram retomados nas demais.

About 1963, movie actor Roberto Batalin produced a capoeira music record featuring mestres Traíra, Gato and Cobrinha Verde. A while later, the same LP sold under the title Capoeira da Bahia, mestre Traíra. A CD edition appeared which is easily found. To join the recordings, which are, in our opinion, among the best capoeira music recordings ever commercially published, we post the information, text and photos which the first edition featured, and were dropped afterwards.

A produção

Em 1960, a peça Pagador de promessa, de Dias Gomes, leva um grande e merecido sucesso. O jogo de capoeira nela aparece como um sinal da cultura popular que se opõe ao rigor despido de compaixão da hierarquia católica; os capoeiristas participam da ação dramática. A adaptação da peça para o cinéma ganha a Palma de Ouro em Cannes em maio de 1962. Centenas de milhares de espetadores assistam à cena de jogo de capoeira nos degraus da igreja do Passo, em Salvador, no filme de Anselmo Duarte. Este sucesso oferece uma oportunidade àqueles que apreciam o jogo de capoeira para torna-lo melhor conhecido.

capa 1
Mais ou menos nessa época, o ator Roberto Batalin grava a capoeira de mestre Traíra, com a participação de Gato, já conhecido como tocador de berimbau, e a visita du célebre mestre Cobrinha Verde. Com o auxílio de vários artistas famosos, Augusto Rodrigues, Carybé, Salomão Scliar, Marcel Gautherot, José Medeiros, e de Dias Gomes, quem escreve um texto introdutivo, Roberto Batalin edita as suas gravações em disco LP, com álbum de 16 páginas de textos e fotos, na casa Xauã, no Rio de Janeiro, que lança assim o seu segundo disco de folclore brasileiro.

capa 2
Seja porque a primeira edição tivesse sido muito limitada, ou porque depois do golpe militar de 1 de Abril 1964, o nome de Dias Gomes, demitido do seu posto na Rádio Nacional e cujas peças estão interditadas, não prestava mais para vender discos, uma segunda capa, muito mais simples, foi logo realizada. Na mesma época, a J.S. Discos lança o Curso de Capoeira Regional de Mestre Bimba; portanto ficou útil precisar, Capoeira da Bahia — Mestre Traíra. Esta segunda edição, ou segunda apresentação, ficou, afinal, mais conhecida do que a primeira.

In 1960, the play Pagador de promessa (Keeper of Promisses), by Dias Gomes, enjoyed a great and deserved success. The play features the game of capoeira as an icon of popular culture which the plot opposes to the uncompassionate rigor of the Catholic hierarchy. Capoeiristas also take part in the dramatic action. After its adaptation for the screen earned the Palme d’Or in Cannes in may 1962, hundreds of thousands of moviegoers saw the capoeira game scene on the stairs of the Passo church in Salvador in Anselmo Duarte’s film. This opened an opportunity for those who liked capoeira to make it better known.

cover 1 About that time, actor Roberto Batalin recorded mestre Traíra’s capoeira, reinforced by the participation of Gato, already established as a prominent berimbau player, and famous master Cobrinha Verde as a guest. With the help of fellow artists, Augusto Rodrigues, Carybé, Salomão Scliar, Marcel Gautherot, José Medeiros, and Dias Gomes, who wrote an introductory text, Roberto Batalin produced a LP with a 16-page album illustraded with photos and artwork, at Xauã’s in Rio de Janeiro. It was this firm’s second Brazilian folklore record.

cover 2 Either because the first edition was limited in number, or because after the military coup of April 1964 and the interdiction of his plays, Dias Gomes’s name was no more fit to sell records, Xauã printed a new, much simpler cover for the same LP. As Mestre Bimba, in the same years, had recorded his Curso de Capoeira Regional LP, at J.S. Discos’ in Bahia, it was useful to mention the origin of Batalin’s recording, stating Capoeira da Bahia — Mestre Traíra. This second edition ended better known than the first.

Texto de Dias Gomes

O texto aparece em duas colunas, ocupando toda a terceira página do álbum. Este ainda traga, em uma coluna, uma tradução inglesa na 4ª página e uma tradução francesa na 6ª página.

CAPOEIRA é luta de bailarinos. É dança de gladiadores. É duelo de camaradas. É jôgo, é bailado, é disputa — simbiose perfeita de fôrça e ritmo, poesia e agilidade. Unica em que os movimentos são comandados pela música e pelo canto. A submissão da fôrça ao ritmo. Da violência à melodia. A sublimação dos antagonismos.

Na Capoeira, os contendores não são adversários, são “camaradas”. Não lutam, fingem lutar. Procuram — genialmente — dar a visão artística de um combate. Acima do espírito de competição, há neles um sentido de beleza. O capoeira é um artista e um atleta, um jogador e um poeta.

É preciso entretanto distinguir a verdadeira Capoeira, tal como ainda hoje é praticada na Bahia, daquela que notabilizou malandros e desordeiros, em medos do século passado, no Rio e no Recife. Aqui [no Rio, N.d.E], a Capoeira era realmente uma luta de rua, que incluia a faca e a navalha, além dos golpes caraterísticos. Levava o pânico às festas populares e provocava a justa intervenção da Polícia. Na Bahia mesmo, por aquela época, os capoeiras andavam preocupando as autoridades da província pelas desordens que provocavam. Para ver-se livres dêles, o Governo mandou-os lutar no Paraguai. E pela primeira vez a rasteira, o aú, a meia-lua e o rabo de arraia foram usados como armas de guerra. Com successo, a julgar pela História…

Mas a Capoeira é apenas uma vadiação — assim a chamam os jogadores da Bahia, que ainda hoje a praticam nas festas no Bonfim e da Conceição da Praia, onde os mestres se exibem, continuando a glória de Mangangá e de Samuel Querido de Deus, capoeiras lendários.

TEM NOVE MODALIDADES A ARTE DA CAPOEIRA, que se distinguem pela música e pela maneira de jogar. São elas:
CAPOEIRA DE ANGOLA
ANGOLINHA
SÃO BENTO GRANDE
SÃO BENTO PEQUENO
JOGO DE DENTRO
JOGO DE FORA
SANTA MARIA
CONCEIÇÃO DA PRAIA
ASSALVA SINHÔ DO BONFIM
A mais praticada — e também a mais rica em temas e coreografia — é a primeira. Ha também a “capoeira regional” ou “luta regional baiana”, de mestre Bimba, com exertos de jiu-jitsu, box e catch, justamente repudiada pelos puristas da arte.

NA CAPOEIRA DE ANGOLA, UM RITUAL PRECEDE A LUTA: dispostos em semicírculo, os “camarados” iniciam o canto, ao som dos berimbaus, pandeiros e chocalhos. Agachados diante dos músicos, os dois jogadores, imóveis, em respeitoso silêncio. É o preceito. Os capoeiras se concentram e, segundo a crença popular, esperam o santo. Os versos do preceito variam, mas os últimos são sempre os mesmos:

Eh, vorta do mundo
camarado!

É o sinal. Girando o corpo sôbre as mãos, os capoeiras percorrem a roda e dão início à luta-dança, cuja coreografia é ditada pelo andamento da música. Esta jamais é interrompida, sucedendo-se os temas, de ritmo variável, tirados pelo mestre e repetidos pelo côro. As primeiras melodias são, geralmente, dolentes — e a luta começa em câmara-lenta, com golpes largos, onde os capoeiras evidenciam o perfeito controle dos músculos. Logo muda o toque do berimbau e o ritmo se acelera — os jogadores mudam o jogo e as pernas começam a cortar o ar com agilidade incrível. A assistência estimula os contendores:

— Quero ver um “rabo de arraia”, Mestre Coca!
— Seu menino, que “aú”!
— Vamo lá, meu camarado, deixa de “mas-mas” e toca uma “chibata” nele!

E não falta um farejador de defunto que diga, soturnamente
— Eu queria ver isso mas é à vera….

A capoeira é um brinquedo. Assim, muitos golpes são proíbidos, como aqueles que atingem os olhos, os ouvidos, os rins, o estômago, etc.

Mas se a luta é à vera, vale tudo…

O golpes mais conhecidos são:

O BALÃO — com ambos os braços, o capoeira enlaça o corpo do adversário e o atira por cima da cabeça, para trás.
A RASTEIRA — um raspa com uma das pernas, procurando golpear os pés do contendor e deslocá-lo.
O RABO DE ARRAIA — com ambas as mãos no chão, o capoeira descreve um semicírculo com as pernas entesadas, visando atingir o companheiro.
A CHIBATA — o pé cai do alto, num arco de 45 graus.
O AU — salto mortal, firmando-se sobre as mãos e lançando ambos os pés para a frente.
A BANANEIRA, A MEIA LUA E A CHAPA PÉ — são variações da Chibata .
Há ainda a CABEÇADA, o GOLPE DE PESCOÇO, O DEDO NOS OLHOS e muitos outros golpes, ou passos dêsse estranho e másculo ballet que os escravos bantus nos trouxeram de Angola, com sua bárbara e poderosa cultura.

É possível que a Capoeira, tal como é praticada hoje na Bahia, muito pouco deva à sua pátria de origem. Nos versos e nas melodias gravados neste álbum, sente-se a presença de nosso povo, em sua capacidade de assimilação e recriação. E a própria transformação de uma luta em um bailado, de uma contenda num motivo para cantar e dançar é muito de nossa gente…

A Capoeira é uma manifestação autêntica da índole, do espírito e do gênio do nosso povo. E com ela nós mandamos ao mundo uma mensagem: que bom se todo conflito, todo litígio, por mais violento, pudesse ser resolvido com música e poesia.

Translation as on fourth page of the album.

CAPOEIRA is a ballet dancer’s fight. Dance of gladiators. Duel between fellow men. It’s a game, a dance, a dispute — harmony of force and rythm, poetry and agility. Unique in the movement comanded by music and singing. The submission of force to rythm. From violence to melody. The sublimation of antagonisms.

In Capoeira, the fighters are not adversaries, they are comrades. They don’t fight, they just pretend to. They search most in geniusly for a way to give an artistic vision of a combat. Besides the competitive spirit they have a sense of beauty. The capoeira man is an artist and an athlete, a player and a poet.

However, we must distinguish the true CAPOEIRA, as that still practised in Bahia, from the one which marked the malandro and disorders in the beginning of our century in Rio and Recife. In these cities, the Capoeira was really a street fight including knife and razor blades besides their characteristic strikes. It caused panic in popular feasts and almost always provoked police intervention. Even in Bahia, at that time, the capoeiras worried the province authorities by the disturbances they caused. To banish them, the government sent them to fight in Paraguay. And for the first time the rasteira, the au, the meia lua and the rabo de arraia were used as war weapons. With success if we judge the historical facts.

But the Capoeira is just a vadiação — as the bahians call it, practiced nowdays in the glorification feasts of Senhor do Bonfim and Our Lady of the Beach Conception, where the mestres (masters) exibhit the selves continuing the glory of Manganga and Samuel God’s beloved, legendary capoeiras. We find Nine different Modalities of the Capoeiras Art, distinguished basically by the music and the way of playing it:

CAPOEIRA DE ANGOLA
ANGOLINHA
SÃO BENTO GRANDE
SÃO BENTO PEQUENO
JOGO DE DENTRO
JOGO DE FORA
SANTA MARIA
CONCEIÇÃO DA PRAIA
ASSALVA SINHÔ DO BONFIM
The most practised — and also the richest in terms of choreography — is the first one.

We have the regionalistic capoeira or regionalistic bahian fight of Master Bimba with inserts of jiu-jitsu, box and catch as catch can, justly refused by the purists of the art.

In Capoeira de Angola a ritual preceeds the fight disposed in a semi-circle, the comrades start the singing under the berimbaus tunes pandeiros and chocalhos. Crouched before the musicians the two players are still in a respectful silence. That is the presept. The capoeiras men concentrate themselves and according to the popular belief they wait for the saint. The verses of the precept vary. But the lasts are always the same:

Eh, vorta do mundo
camarado!

Eh, come back to the world
comrade!

That is the signal. Turning the body upon the hands, the capoeiras go through the circle, initiating the fight-and-dance whose choreography is dictated by the musical rythm. The music is never interrupted varying the tunes played by the master and repeated by the chorus. The first melodies are generally dolent — and the fight starts in slow-motion — with large strikes wher the capoeiras display their perfect muscular control. Soon the berimbau beat changes and the rythm accelerates — the players change their game and the legs start cutting the air with incredible agility. The assistance stimulates the contendors — I wanna see a ‘skatetail’ Master Coca –Boy what an ‘au’ — Hurry up my comrade leave this ‘but-but’ and use a ‘whip’ on him. And there is always a defunct smeller saying gloomily — I would like to see it for life or death.

Capoeira is a toy. So many strikes are forbidden like those which could hurt the eyes, hears, kidneys, stomarch, etc.

But when they really mean it everything goes in the stream …

The most prominent strikes are

THE BALOON — with both arms, the capoeiras entangles the adversary’s body and throws him upon his head backwards.
THE RASTEIRA — one scrapes with one of the legs trying to hit the opponent”s feet and throw him down.
THE SKATES TAIL — with both hands on the ground, the capoeira man makes a semi-circle with hid stretched legs, trying as in the rasteira to take out the other fighter’s base.
THE WHIP — the foot comes from up above in an up-side-down jump completing an angle of 45 degrees.
THE AU — a break neck leap, basing the body on the hands and throwing both feet ahead.
The Banana Tree. The Middle Moon and the Flat Foot are the Whip’s variations. There are still the Cabeça, Golpe de Pescoço, Dedo nos Olhos and many other strikes or steps of this strange and viril ballet brought by the Bantu Slaves from Angola among their barbarian and powerful culture.

It’s possible that Capoeira as practiced today in Bahia owes very little to it’s country of origin. In the verses and music recorded in the present long playing, we feel the presence of our people in his capacity of assimilation and recreation. And the own transformation of a fight in a dance, of a conflict in a motiv for singing is very much for our people.

With this, we enable ourselves to send everywhere in the world the following message:

How good it could be, if every conflict, every dispute could be cleared up with music and poetry.

Credits

Mestre Traíra (João Ramos do Nascimento)
Lado A faixa 2 Cobrinha Verde (Rafael Alves França)
Berimbau Gato (José Gabriel Gões), Chumba (Reginaldo Paiva), De Guiné (Vivaldo Sacramento)

Pandeiro Pai-de-Família (Flaviano Xavier)

Quebra-Jumelo (Vanildo Cardoso de Souza)

Canto Didi (Djalma da Conceição Ferreira)

Produção Roberto Batalin

Fotos Salomão Scliar, Marcel Gautherot

Texto Dias Gomes

Desenhos Augusto Rodrigues, Caribé

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