Interview with Mestra Úrsula

25 October 2013 – Entrevista com Mestra Úrsula

I have had the pleasure and honour to spend time with Mestra Úrsula, during a three day event in London, in 2012 and I started following her work. Here’s an interview with her. I’m copying it here in case the original site disappears, it happens a lot!

source: www.revistaocapoeira.com.br/?p=3558 (link no longer working, told ya! They vanish…)

Úrsula Canto, a Mestre Úrsula em uma de suas vindas ao Brasil, dessa vez para a comemoração dos 50 anos do Grupo Senzala falou um pouco de sua história e trajetória na capoeira, ao mesmo tempo em que faz uma reflexão do cenário da capoeira em Paris onde vive há mais de 20 anos.

Quando a capoeira entra na sua vida?
A capoeira entrou na minha vida, na verdade minha mãe era muito amiga do Mestre Nestor Capoeira, quando pequena íamos assistir as apresentações do grupo Senzala, isso no final da década 60 inicio de 70. Eles faziam um show no teatro oficina, não me lembro direito qual teatro, mas era ali em Copacabana, eles tinham aquelas calças listradas de vermelho e branco até o joelho, eu comecei a adorar aquilo. Eu fazia dança, comecei cedo, bailarina, um dia pensei vou fazer capoeira procurei o Nestor Capoeira, eu tinha uns 14 anos de idade, aí o Nestor falou pra mim que não estava dando aula porque havia voltado da Europa, isso foi em 77, mas falou pra eu procurar o mestre Peixinho, então fui procurá-lo, eles tinham acabado de sair dos servidores e estavam na travessa Angrense, Mestre Peixinho o Mestre Itamar, então fui fazer a aula, esse foi o meu primeiro contato com a capoeira e de lá para cá fiquei no Grupo Senzala durante 30 anos.

Quando cheguei ao Mestre Peixinho tinha um Mestre que estava meio deprimido e que não estava muito legal era o mestre Mosquito, antigo do grupo e um dos fundadores, o Peixinho falou: Olha Úrsula vou te botar ali com o Mosquito, como você é bailarina vai ele vai te dar uma força. Na verdade o Mosquito me ensinou na época a seqüência de Mestre Bimba que era a técnica do grupo Senzala, aprendi toda a seqüência, ficava treinando com ele na baixa de Santa de Marta onde ele morou, ia treinar sempre com ele, ele me pegou como um bixinho de estimação e disse: Vou ensinar tudo pra ela. Infelizmente ele se matou algum tempo depois, ele já estava bastante deprimido. Depois eu continuei treinando com Mestre Peixinho, era aluna do Mestre Peixinho. Depois treinei com Mestre Itamar que dava aula nas terças e quintas, nas segundas quartas e sextas era com Mestre Peixinho, daí em diante fui treinar todos os dias até passei meus estudos para noite.

O Grupo Senzala faz parte da sua vida?
O Grupo Senzala foi quem me ensinou tudo, foi onde eu aprendi tudo e onde eu fiquei durante 30 anos. Fiquei de 77 até 2007. Em 2007 ajudei a organizar os 20 anos de capoeira na Europa que foi uma iniciativa do Mestre Garrincha, do Mestre Peixinho e do Mestre Gato. Como já estava em Paris a quase 20 anos nessa época, “dá pra fazer isso pra gente?” Todo o suporte, toda parte executiva e logística eu fiz. Nisso eu já não estava mais com Mestre Peixinho, estava com o Mestre Itamar e as coisas não estavam indo muito bem. Depois desse evento que foi muito interessante resolvi me afastar do grupo Senzala.

O que significa a capoeira e o Grupo Senzala pra você?
O grupo Senzala foi a minha escola é a minha base, é a minha mãe e a mãe a gente nunca esquece e não se desliga. Estou aqui hoje, estamos sempre juntos, a gente trabalha junto. O Mestre Torneiro que está em Paris, sempre fazemos batizado juntos. A gente continua irmão, eu cresci nessa casa, foi onde me ensinou, mas tivemos problemas. Eu fiquei um tempo sozinha só com a minha associação, Canto de Capoeira, vivendo com isso. Os meus alunos ficaram comigo quando sai e me afastei do grupo. O Grupo Senzala é a minha escola, lógico que também aprendi. Na Europa nós fizemos aulas com muitos outros grupos, não tem essa coisa de ficar só no grupo, ainda mais quando eu fui a 21 anos atrás e não tinha tanto capoeira assim como tem hoje em dia. Então desenvolvi muita técnica com o grupo Capoeira Brasil que é um grupo que também saiu da Senzala e que também tem muita gente de lá, o Mestre Paulão, o Mestre Paulinho Sabiá sempre me deram uma força lá, também tenho contato com a CDO de lá, tem uma integração grande.

A capoeira é a minha vida, eu vivo da capoeira já faz 21 anos lá em Paris, é muito difícil, primeiro uma mulher, ser sozinha e não ser esposa de ninguém ao contrário, eu era casada com um executivo e não tinha nada a ver com a capoeira. Capoeira é a minha vida e me faz ver a vida diferente. Não sou de comunidade carente, sou uma pessoa como o grupo Senzala é, do Rio de Janeiro, da zona sul, desenvolvi a capoeira em Copacabana, morava em Ipanema, quer dizer é uma outra visão da capoeira, não vim do subúrbio para cá. Foi com a capoeira que eu entrei na comunidade, através dos meus amigos aprendi, pra mim foi o sentido contrário, a capoeira me levou para lá, foi o folclore brasileiro que me levou para a questão social.

O apoio por meio de política pública para a capoeira em Paris, existe?Ainda não, eu fiz o meu 17º batizado em 21 anos, todos eles nunca tive subvenção, nunca tive ajuda do governo, temos assim, salas que a prefeitura cede. A capoeira se desenvolveu tanto nessa área que, quando eu cheguei a Paris tinha uns dez capoeiristas, hoje tem quase quatrocentos professores de capoeira e mais de trinta mil aderentes, alunos em toda França, que é uma coisa enorme.

Mestre Úrsula e o Grupo Guaiamuns. Foto Luciano Medina

Hoje em Paris tem capoeira em quase toda esquina, tem pessoas morrendo de fome, porque se você não é bom, não tem estrutura, o pessoal começa a quebrar o preço entendeu, tem gente muito nova com muita energia mas isso não quer dizer nada. Nós mantínhamos uma ética entre os antigos, mantínhamos um preço de aula que hoje não tem mais, hoje é cada um cuidando e pegando o seu espaço e isso é uma outra coisa. O governo não ajuda, mas a capoeira lá é muito mais ajudada a gente tem estrutura. Quando os alunos vem pra cá para o Brasi, quando um aluno chega da Europa e pensa que vai ter uma estrutura com boutiques em toda esquina, aqui não é assim. Agora o governo tá acordando e vendo que a força da capoeira tem e leva a cultura para o exterior, a gente ta levando.

Nós somos os embaixadores da cultura brasileira há muitos anos, porque o aluno vai querer aprender português, eles aprendem as musicas querem saber mais e vão estudar sobre o Mestre Bimba e sobre o Mestre Pastinha. O que é a capoeira, daí eles vão se interessar pela roda de samba, eles vão vir ao Brasil, então é turismo, eles estão vindo pra cá. A gente tá desenvolvendo a cultura lá e o governo não dá a mínima. O governo francês ta querendo organizar, lá a capoeira ainda está marginal, mas eles estão querendo que isso fique. Eles querem que você tenha um diploma para ser professor porque ainda tem muita bagunça. Tem gente que vem pra lá e fica três meses, ah! sou professor e não sabe nem tocar um berimbau, tem aqueles que chamamos de capoeirista de avião, aprende no avião.

Já tentamos fazer uma federação lá, não funcionou, as pessoas não são unidas na capoeira. Capoeiristas não é unido, capoeirista tenta ganhar a vida sozinho porque ele ta acostumado a ser virar, ele aprendeu a se virar sozinho, o capoeirista é o que? É o corpo é ele, e ele precisa de uma outra pessoa para poder jogar demonstrar sua capoeira e desenvolver um trabalho. Ele chega com essa idéia, ninguém me ajuda e eu vou fazer tudo sozinho, e outro? O outro se for vir vai me atrapalhar, é uma concorrência e não vai juntar e a gente tentou fazer. Os amigos lá um vai ao batizado do outro, mas cada vez menos, as pessoas estão cada vez mais se individualizando.

Fale sobre o Grupo Guaiamuns?
O que a gente fez, eu usava só o Canto da Capoeira que é a minha associação, então no momento em que eu me tornei mestre de capoeira, já estava com a idéia de formar um grupo, não era mais do Senzala, tenho 300 alunos, o pessoal falava Canto de Capoeira, mas o Canto nunca foi um grupo, então surgiu a idéia do Grupo Guaiamuns por causa dos Maltas que é um referencia histórica. Então vamos pegar esse nome que é do começo do século passado, então a gente ajuntou. O mestre Paulinho Carioca é um cara que é do Rio e que está na Itália há 20 anos fazendo um trabalho e é da mesma geração que eu, ele me chamou para montar o grupo, ele tinha o trabalho Ginga Carioca. Disse a ele que tinha o nome Guainamuns, ele disse que queria um nome que puxasse um pouco para o carioca, então escrevi para ele e disse do nome, que é super carioca, os Maltas, que existiram no Rio. Não tinha maltas na Bahia, isso tem a ver com a capoeira carioca e é uma coisa histórica. Então a gente pegou esse nome e começamos a desenvolver.

Vamos desenvolver esse trabalho que já tem em três estados da Itália e gente está na França, uma aluna iniciou o trabalho na costa Rica. Eu estou querendo voltar ao Brasil daqui a um ano e aí teria um trabalho aqui, teríamos um trabalho internacional, é um grupo pequeno, não temos mania de grandeza. A gente quer assim, a capoeira que queremos, é a minha visão, humilde, a capoeira tá virando uma coisa comercial, as pessoas estão pensando em dinheiro, antigamente os mestres iam no seu trabalho e não cobravam, agora mesmo eu to aqui mas eu só vou ali se você me der tanto, ó eu vou passar na sua aula, lá em Paris já significa, você vai me dar duzentos euros se não eu não passo lá. Então não é para te ajudar te dar uma força porque você é do grupo, para te formar mais, não é. Eu preciso de dinheiro e você vai me pagar. Então essa coisa a gente já estava muito chateado, tanto do meu lado como o Mestre Paulinho Carioca do lado dele. A gente vai desenvolver a nossa capoeira, o nosso grupo que não vai pensar só em grana; como a gente vai pegar os 10% da mensalidade do aluno que ta dando aula. Não tem mensalidade, não tem porra nenhuma, tem a capoeira, uma coisa que a gente gosta, não tem agressividade, não tem nada, vamos tentar desenvolver uma técnica, um trabalho em comum, porque tem o outro lado da linguagem que a gente teve que adaptar.

Você chega aqui dá porrada, cotovelada e vai embora, o europeu não quer esse tipo de capoeira, tem alguns que gostam mas é raro. Você desenvolver um trabalho com criança, eu desenvolvo há mais de 20 anos, a maioria é adulto, mas é uma capoeira que você tem que explicar o fundamento tem que explicar o porque que é assim, porque da malícia, são coisas que a gente já sabe, é nascido com a gente é da nossa cultura popular, e para eles temos que explicar. Vamos criar ótimos capoeiristas, técnicos que não tem essa malícia no jogo e só vão aprender vindo aqui, é isso.

Mestra Ursula teaching in London
Mestra Ursula teaching in London, 2012

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