Peleja de Riachão Com o Diabo – Leandro Gomes de Barros

Peleja de Riachão Com o Diabo – Leandro Gomes de Barros (Literatura de Cordel)
Sections of this epic poem from literatura de cordel have been incorporated into Capoeira, where Riachão and the Devil (diabo) have a defiant dialog/word battle :


Mestre Traira – Riachão do Diabo
Sílvio Acarajé
Amongst others…

Leandro Gomes de Barros (Pombal, 19 de novembro de 1865 — Recife, 4 de março de 1918) was a Brazilian “Literatura de Cordel” poet.

The Day of the Cordelista, on the 19th of November, celebrates the genre of “rope literature” and also Leandro’s birth date.

Considered the first Cordel literature writer in Brazil, Leandro wrote approximately 240 booklets. He was nicknamed “The first, without second” and is still considered the greatest popular poet in Brazil of all time. He wrote many classics and best sellers – with some of his booklets selling well over 3 million copies.

After opening a small printer company in 1906 his booklets spread all over the North East of Brazil.

According to Carlos Drummond de Andrade, Leandro Gomes de Barros was “the King of poetry” in Brazil.
[source Wikipedia Leandro Gomes de Barros]

Riachão tava cantando
Na cidade do Assu
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu
Tinha camisa de solo
A calça de couro cru

Beiços grossos e virados
Como a sola de um chinelo
Um olho muito encarnado
O outro bastante amarelo
Esse chamou riachão
Para ir cantar martelo
(here, the mysterious stranger invites Riachão to sing “martelo” – like a rap battle…)

Riachão arrespondeu
Não canto com nego desconhecido!
Por que pode ser escravo
E ande por aqui fugido
Isso é dar calda a nambu
E só entra nego incherido

Eu sou livre como o vento
A minha linhagem é nobre
Com muitos mais ilustrados
Que o Sol no mundo cobre
Nasci dentro da grandeza
Não sai da raça pobre

Você nega por que quer
Está conhecido demais
Diga se está fugido
Diga quanto tempo faz?
Se você não for cativo
Obra desmente sinais

Seja rico seja escravo
Eu quero cantar martelo
Afine sua viola!
Vamo entra num duelo
Só com minha presença
O senhor tá ficando amarelo

Vejo um vulto tão pequeno
Que nem posso enxergar
Parece que não precisa
Nem a viola afinar
Pela ramagem da árvore
Vê-se os fruto que ela dá

Riachão, isto são frases
De homem muito atrasado
Porque são vistos fenômenos
Que na terra têm se dado
Uma cobra pequenina
Mata um boi agigantado

Meu riacho pela seca
Dá cheias descomunais
Na correnteza das águas
Descem grandes animais
Jiboias, sucurujubas
E monstruosos jaguais

O jaguar rende-me culto
A serpente aos meus pés morre
Quando chega minha ira
Só um poder o socorre
Digo ao rio: Pare ai
A água para e não corre

Você não é Josué
Que mandou o Sol parar
Este parou três dias
Para a guerra se acabar
Nem Moisés com a sua vara
Fez a água do mar secar

Faço tudo que quiser
Minha força é sem limite
Os feitos por mim obrados
Não vejo homem que os cite
Eu determino uma coisa
Não ha força que evite

Salomão também fazia
O que quera fazer
Por meio de mágica e química
Quis novamente nascer
Em vez do nascimento
Ele conseguiu morrer

Salomão facilitou
Confiado na ciência
Encaminhou tudo bem
Mas faltou-lhe a paciência
Se não fosse esse erro
Tinha outra existência

Eu necessito saber
Onde é seu natural
Porque não sei se o senhor
Tem nascimento legal
De qual nação é que vem
Se procede bem ou mal

Você vem interrogar-me
Eu lhe interrogo também
Diga pra onde vai
E de que parte é que vem
Se é solteiro ou casado
Que trabalho você tem?

Não tenho superior
Sou filho da liberdade
E não conto a minha vida
Pois não há necessidade
Eu não sou foragido
Nem você é autoridade

Eu preciso advertir-lhe
Fazer-lhe observação
Me trate com muito jeito
Cante com muita atenção
Veja que não se descuide
E passe o pé pela mão

Eu já canto há muito tempo
Já estou muito habilitado
Conheço alguma matérias
Sou um pouco adiantado
Tive estudo quatro anos
Me considero letrado

Sou professor de matérias
Que sábio não as conhece
A lei que dito no mundo
O próprio rei obedece
Meus feitos são conhecidos
A fama se estende e cresce

Você diz que tem ciência
Dê-me uma explicação
Se a terra faz movimento
De quem é a rotação?
Porque é que em 12 horas
Há essa transformação?

O Sol não é quem se move
É fixo em seu lugar
A terra está sobre eixos
Os eixos a faz rodar
Que por essa rotação
Faz a luz do Sol faltar

Descreva o grande mistério
Que entre nós a terra tem
De que é formada a chuva?
Em que estado ela vem?
É criada aqui por perto
Ou em algum lugar mas além?

Á água em estado líquido
Por meio de abaixamento
Que há na temperatura
E pelo resfriamento
Essa água é condensada
Ajudada pelo vento

A corrente atmosférica
Duma montanha elevada
Que ajuda a temperatura
Forma nuvem condensada
Do vento movendo as nuvens
É disso a chuva formada

Que essa chuva depois
Que toda terra ensopar
Por meio de evaporação
Torna ao espaço voltar
Reproduzindo o processo
Que acabei de lhe tratar

O senhor conhece bem
Este país brasileiro?

Ora, respondeu o negro
Eu conheço o estrangeiro
Desde o córrego mais pequeno
Até o maior ribeiro

Por exemplo: O Amazonas
Que estrema com o Pará
O Pará com o Maranhão
Piauí com o Ceará
E assim todos mais outros
Se alguém duvida é ir lá

Esse qualquer um daqui
Pretendendo viajar
Até o Rio de Janeiro
E não querendo ir por mar
Eu lhe ensino o caminho
Ele vai sem se vexar

Como faz essa viagem?
Onde encontra o caminho?
Lugar duma só morada
Sem haver mais um vizinho
Tanto que em muitos lugares
Não anda homem sozinho

Pode qualquer um sair
Do assu a mossoré
Querendo poder passar de caicó
Subir pela margem esquerda
Do rio seridó

Riachão disse consigo
Este negro é um danado
Este saiu do inferno
Pelo demônio mandado
E para enganar-me veio
Em um negro transformado

Disse o negro: Meu amigo
Não queira desconfiar
Garanto que o senhor
Não ouviu bem eu cantar
Na altura que eu canto
Outro não pode chegar

Vá na altura que for
(Riachão lhe respondeu)
Remexa todos os livros
Que o senhor aprendeu
Eu não conheço esse ente
Que cante mais do que eu

Você ficará sabendo
O peso dum cantador
Quando me vir outra vez
Me trate de professor
Render-me a obediência
Conhecerá o meu valor

O senhor diga o seu nome
Eu quero lhe conhecer
Pois só assim vou dar
O valor que merecer
Em tudo que você diz
Ainda não posso crer

Você sabendo quem sou
Talvez fique assombrado
Superior a você
Comigo tem se espantado
Os grandes de sua terra
Eu tenho subjugado

Eu canto há dezoito anos
E vinte toco viola
Sempre encontro cantador
Que só tem fama e parola
Quando canta meio dia
Cai nos meus pés, no chão rola

Eu há muitos anos canto
Não vou em toda função
Arranco ponta de touro
Quebro furor de leão
Eu achei esse duro
Que para mim tenha ação

Mas de hoje em diante
O senhor tem de encontrar
A força superior
Que obrigue a se calar
Porque eu boto um cerco
Quem vai não pode voltar

Manoel, tu és criança
Só tens mesmo é pabulagem
Veja que fala é fôlego
Porém obrar é coragem
Juro que de hora em diante
Não contarás vantagem

Meu pai chamava antônio
Seu apelido era rio
Duma enxurrada que dava
Cobia todo baixio
Escavava em tempo de inverno
Enchia em tempo de estio

Conheci muito seu pai
Que vivia de pesca
Sua mãe era tão pobre
Que vivia dum tear
Seu padrinho tomou você
E levou-o parar criar

Onde morava o senhor
Que o meu avô conheceu?
Que eu nem me lembro mais
Do tempo que ele morreu
E você está padecendo
Muito mais moço do que eu

Eu sei do dia e da hora
Que nasceu seu bisavô
Chamava-e Ana Mendes
A parteira que o pegou
Conheci muito o frade
E vi quando o batizou

Bote sua mascara abaixo
Conte a história direito
Da forma que você conta
Eu não fico satisfeito
Como vê-e um objeto
Antes daquele ser feito?

Seu bisavô se chamava
Apolinário canção
Era filho dum ferreiro
Que o chamavam gavião
Uai bisavó, lourença
Filha de amaro assunção

Mas que idade tem você?
Que me faz admirar
Conheceu meu bisavô
Eu não posso acreditar
Assim nestas condições
Faz até desconfiar

Seu bisavô e avô
Foram por mim conhecidos
Seu pai, sua mãe e você
Antes de serem nascidos
Já estavam em minha nota
Para serem protegidos

Que proteção te você
Para proteger alguém?
Sua pessoa e os trajes
Mostram o que você tem
A sua cor e aspeto
Esclarecem muito bem

Eu protejo você tanto
Que o defendi de morrer
Você se lembra da onça
Que uma vez quis lhe comer?
Que apareceu um cachorro
E fez a onça correr

Me lembro perfeitamente
Quando a onça me emboscou
Que já marcando o salto
Que um cachorro chegou
A onça coreu com medo
Eu não sei quem me salvou

Pois foi este seu criado
Que viu a onça embosca-lo
Eu chamei por meu cachorro
Para da onça livrá-lo
Se lembra quando você
Ouviu o go canto do galo?

Eu me lembro disso tudo
Porque assim foi passado
Mas que idade tinha eu
Quando esse caso foi dado?
Eu era tão pequenino
Que meu pai teve cuidado

Você tinha nove anos
Foi caçar um novilhote
Se entreteu com umas flores
Que tinha lá no serrote
A onça foi esperá-lo
Para soltar-lhe o bote

Riachão disse consigo
De onde veio este ente
Que de toda a minha vida
Conhece perfeitamente?
Este será o diabo
Que esta figurando gente?

O senhor pergunta assim
De que parte venho eu
Eu venho de onde não vai
Pensamento como o seu
Eu saí do ideal
Primeiro que apareceu

Agora acabei de crer
Que tu és o inimigo
Te transformaste em homem
Para vir cantar comigo
Mas eu acredito em Deus
Não posso correr perigo

Inda não te ameacei
Nem pretendo ameaça-lo
Estou pronto a defendê-lo
Se alguém quiser atacá-lo
Em minha humilde pessoa
Tem um pequeno vassalo

Não quero saber de ti
Porque tu é o traidor
Desobedeceste a Deus
Sendo ele o criador
Fizeste traição a ele
Quanto mais a um pecador

Riachão, amas a Deus
Sendo mal recompensando
Deus fez de Paulo um monarca
De Pedro um simples soldado
Fez um com tanta saúde
Outro cego e aleijado

Se Deus fez de Paulo um rei
Porque Paulo merecia
Se fez de Pedro um soldado
Era o que a Pedro cabia
Se não fosse necessário
O grande Deus não fazia

O teu vizinho e parente
Enricou sem trabalhar
Teu pai trabalhava tanto
E nunca pode enricar
Não se deitava uma noite
Que não deixasse de rezar

Meu pai morreu na pobreza
Foi fiel ao seu senhor
Executou toda ordem
Que lhe deu o criador
E foi uma das ovelhas
Que deu mais gosto ao pastor

Arre lá! Lhe disse o negro
Você é caso sem jeito
Eu com toda paciência
Estou-lhe ensinando direito
Você vê que está errado
Faz que não vê o defeito

É muito feliz o homem
Que com tudo se consola
Posso morrer na pobreza
Me acha pedindo esmola
Deus me dá para passar
Ciência e esta viola

O negro olhou riachão
Com os olhos de cão danado
Riachão gritou: Jesus
Homem Deus sacramentado
Valha-me a virgem Maria
A mãe do verbo encarnado

O negro soltou um grito
Ali desapareceu
Duma catinga de enxofre
A casa toda se encheu
Os cães uivaram na rua
O chão se estremeceu

Riachão ficou cismado
Com cantor desconhecido
Que quando encontrava um
Tomava logo sentido
O seu primeiro verso
Era a Deus oferecido

Original, “literatura de cordel” version

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